ATÉ TU BRUTUS?
ATÉ TU, BRUTUS?
Era o sorriso mais doce do bairro. Apertava a mão de todo mundo na feira, chamava o vendedor de pastel pelo nome e comprava fiado no armazém com a mesma naturalidade com que oferecia um “bom dia” sonoro para a dona Maria do portão azul. Diziam que ele era diferente. “Esse, sim, pensa no povo!” — garantiam os velhos na padaria, entre goles de café e sonhos polvilhados de açúcar.
Havia também aquela juíza, voz calma, jeito firme. Era o retrato da moralidade: sentenças de capa limpa, palavras que cheiravam a justiça recém-saída do forno. E o vereador das causas populares, sempre ao lado do povo nas fotos, distribuindo sorrisos, cestas básicas e promessas com validade infinita - até a urna fechar.
Mas aí… aí veio o dia em que a máscara escorregou.
Não foi queda, foi revelação. E todos ficaram sabendo que todos esses quase ídolos mitológicos, tinham uma mesma motivação e eram apreciadores de um doce feito de cana, e gostavam tanto, que quebravam a dentadura, mas não largavam a rapadura.
O “diferente” embolsava contratos gordos, sorrindo para câmeras enquanto os cofres minguavam. A juíza, tão incorruptível nas palavras, era flexível nos bolsos. O vereador, agora engravatado em gabinete refrigerado, já não reconhecia a voz rouca da senhora que lhe pediu ajuda no sinal.
O povo, incrédulo, se perguntava: “Como é que pode? Logo ele?”
E a frase antiga, saída de um palco romano, voltou como um tapa:
— Até tu, Brutus?
Alguns do povo caiam na real, reconheciam que haviam colocado no poder alguém que só se interessava por ele mesmo, e de cabeça erguida assumiam ter errado na escolha, embora a intenção na hora do voto houvesse sido boa. Mas as coisas e as pessoas são o que são, e não o que nós imaginamos que sejam.
No fundo, Brutus não é um homem. Brutus é um vírus que, cedo ou tarde, encontra um corpo para habitar. Ele veste terno, toga, uniforme, batina. Ele fala baixo, promete alto e morde pelas beiradas. Brutus não se apresenta — ele se revela.
E o mais cruel? Sempre há um momento em que acreditamos que, dessa vez, é diferente. Que este não vai trair, não vai vender, não vai se vender. É quando Brutus, sorridente, se aproxima e sussurra ao ouvido do povo:
— Confia em mim.
Foi assim ontem, é assim hoje, e, se não abrirmos os olhos, será assim amanhã. Porque enquanto a memória coletiva for curta e o aplauso fácil, haverá sempre mais um pronto para fincar a faca que traz entre os dentes — com a delicadeza de quem serve um cafezinho.
E nós, de boca amarga, só conseguiremos dizer, tarde demais:
— Até tu, Brutus?
AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 12/08/2025