AC DE PAULA
Dom Quixote Tupiniquim
Textos
DAVID X GOLIAS
DAVID E GOLIAS
Lá prós lados dos trópicos há um pais grandão, muito gente boa, meio desengonçado, cheio de jeitinho, samba no quadril e petróleo no subsolo. Um país que passou da senzala pro streaming, mas que ainda tem as correntes disfarçadas de dívida, dependência e acordos comerciais com letra miúda em inglês. Ele tem lá as suas mazelas mas não é uma nação servil. Foi colonizado mas já quebrou as algemas da tirania.

Do outro lado do mapa, lá em cima, com estrelas no peito e um hino que se acha trilha sonora do planeta, vive o Tio Sam — velho conhecido, cara de boa praça, comandado hoje pelo monstro alaranjado que tem o olho clínico pra tudo que brilha por aqui: nióbio, Amazônia, dados, mentes e corações.

Eles não mandam mais na base do chicote. Hoje, a coisa é mais sutil. O colonialismo agora vem em forma de parceria estratégica. Dizem que é tudo “cooperação”. Eles nos emprestam know-how, vendem tecnologia com juros camaradas, oferecem segurança para nossa insegurança e, se sobra tempo, ainda ensinam como devemos nos comportar nas Nações Unidas.

Somos convidados VIP para entrar na sala do poder — mas pela porta lateral, claro. Com direito a auditório, café sem açúcar e o script já impresso em papel timbrado da CIA, da Apple ou da ONU.

Eles nos pedem ajuda pra defender a democracia. Mas, veja só, só a deles. A nossa, quando resolve seguir por um caminho autêntico demais, vira “ameaça à estabilidade regional”. O mesmo discurso de antigamente, mas agora com power point. e IA.

A cultura? Ah, essa já nem precisa mais ser imposta. Nós mesmos legendamos, dublamos e cantamos. Criança aqui sabe quem é a Barbie antes de saber quem foi Zumbi, ouvem Madona e nem sabem quem é Anastácia. Falamos “yes” com sotaque de série teen e, às vezes, temos vergonha do nosso próprio "oxente, uai!"

O pior do colonialismo moderno é que ele sorri. Oferece rede social, fast food e coach motivacional. Nos quer parecidos, mas nunca iguais. Parceiros, mas subordinados. Autônomos, desde que a nossa rota obedeça o GPS deles.

E assim seguimos, entre um acordo de cooperação e uma narrativa  dizendo que somos soberanos enquanto dançamos conforme a playlist do Spotify que nos foi sugerida — pela sede lá em Palo Alto. Somos todos iguais mas eles são mais iguais que a gente.  Estão sempre patrocinando uma guerra, tudo em nome da paz.

Mas calma, "nóis não é bobo"  o tempo todo. Claro que existem alguns teleguiados que acham bonito ser feio, e batem cabeça usando a bandeira estrelada  como se fosse um alá. Às vezes, dá um balé. Um gingado. Um 'não' disfarçado de 'vamos analisar'. Porque por mais que tentem nos colonizar de novo, ainda somos o país do improviso, do samba, da resistência.

E se o colonialismo agora vem de paletó e com um sorriso bilíngue, o nosso antídoto pode vir em forma de poesia, panela no fogo, tambor no morro e uma boa dose de desconfiança bem brasileira, que é bom pra tosse e para o ego.

No fim, resistir é também rir. E continuar traduzindo o mundo com nosso próprio sotaque carregado de orgulho e se preciso for, com a faca entre os dentes. Afinal David enfrentou Golias.
AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 06/08/2025
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