AC DE PAULA
Dom Quixote Tupiniquim
Textos
SOBERANIA
SOBERANIA
A narrativa translúcida de obscuridade daquele colecionador de juventudes, mais conhecido como velho ditado, me fez lembrar o sábio filósofo Tim Maia que dizia que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa,  ou tudo é tudo e nada é nada, o que evidentemente dá na mesma ou muito pelo contrário. Estamos vivendo num novo Tempos Modernos, não igual aqueles do Charles Chaplin é claro, mas que  da mesma forma causa uma revolução espantosa. Democracia, essa velha senhora de muitos nomes e poucos sobrenomes.
Às vezes vestida de toga, às vezes de camiseta e sandália de dedo,
mas quase sempre com olheiras de insônia cívica e um boletim de ocorrência na bolsa.
Dizem que é o governo do povo, pelo povo, para o povo —
mas o povo, coitado, só aparece mesmo na hora de apertar o 13, o 22, ou o botão de “confirma”. Parece até que não existem outras opções.
Depois, volta pra comodidade da sua invisíbilidade habitual.
Democracia parece mãe solteira de muitos filhos que só ligam no dia do seu voto.
Nos palanques, a democracia vira poesia:
fala de igualdade, justiça, pão quentinho na mesa e vacina no braço.
Nos bastidores, é mais prosa — mas daquelas em caixa alta,
com gritos, cargos e favores distribuídos como balas em festa de aniversário, ou nas homenagens a Cosme Damião Doum e a falange dos erês.
A democracia, aqui, anda de ônibus lotado,
espera na fila do SUS,
e quando tenta reclamar, ainda ouve:
— “Tá reclamando de barriga cheia. Vai pra Cuba então!” Mas os representantes do povo andam de carro oficial de luxo, no mínimo semi novo, e exibem invariavelmente gravatas de seda que ornamentam os brancos colarinhos.
Democracia não é perfeita — e quem disse que era?
Mas também não é esse teatro de bonecos engravatados onde o povo é só figura decorativa, sem direito a vaia.
É frágil como flor em meio ao tiroteio.
É forte como Maria, como João, como qualquer um que saiba que liberdade não
se herda: se conquista.
Democracia é samba sincopado:
tem hora que parece fora do tempo, mas no fundo tá no compasso.
É a arte de discordar sem metralhadora na mesa,
e de votar com esperança, mesmo que o eleito depois suma com ela.
No Brasil, democracia é tipo feijoada de sábado:
tem de tudo, vem cheia de misturas, e às vezes faz mal.
Mas, ainda assim, é melhor que viver só de pão dormido e promessa requentada.
No final das contas, a democracia é uma utopia que insiste em não morrer,
mesmo quando espancada por decretos, fake news e discursos de ódio.
É a palavra que sobra quando todas as outras já nos foram roubadas.
E enquanto houver uma criança com caderno na mão,
um artista sem censura,
uma mulher que grita e não se cala,
um povo que ainda acredita, mesmo sabendo que a justiça é cega  e que ela, a democracia,  manca de uma perna, haverá esperança. Acima de tudo,  o povo sofrido quer ver prevalecer a soberania deste tropical país
AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 05/08/2025
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