Na pequena cidade que ficava muito além de não sei onde, havia um ditado que sempre despertava curiosidade: "Olho azul em gente feia." Naquele lugar, onde a maioria dos habitantes tinha olhos castanhos ou negros, olhos azuis eram uma raridade. Entretanto, essa expressão não se referia à beleza exótica ou à singularidade, mas à ideia de algo valioso que, nas circunstâncias erradas, tornava-se sem importância, um verdadeiro desperdício.
Dona Marta, a costureira mais habilidosa da cidade, era famosa por seu talento com as agulhas.
Ela podia transformar um pedaço de pano simples em um vestido digno de realeza. No entanto, ela também era conhecida por suas filosofias cotidianas, e frequentemente comparava sua arte com a expressão "olho azul em gente feia."
— Não adianta bordar seda em pano de chão — dizia ela, enquanto costurava um delicado bordado em um tecido de linho. — Assim como não adianta ter olho azul em gente feia, um luxo desnecessário onde não é apreciado.
Seu neto, Pedro, costumava ouvi-la atentamente. Um dia, ao ver um vaso de cristal com flores murchas na casa de Dona Marta, Pedro perguntou:
— Vovó, isso é como o olho azul em gente feia?
Dona Marta sorriu e assentiu.
— Exatamente, meu querido. Esse vaso é lindo, mas com flores murchas, perde todo o encanto. A beleza do cristal não pode compensar a decadência das flores.
Pedro começou a perceber essa ideia em várias situações do cotidiano. Na praça central, havia um relógio dourado em uma torre que não funcionava há anos. As pessoas passavam por ele sem sequer olhar. O brilho do ouro era ofuscado pela inutilidade do objeto.
Um dia, enquanto ajudava seu pai na marcenaria, Pedro viu um pedaço de madeira nobre, de jacarandá, sendo usado para consertar um banco velho e desgastado.
— Pai, isso não é desperdício? Usar essa madeira tão bonita para um banco que mal se aguenta?
Seu pai riu.
— É sim, Pedro. É como olho azul em gente feia. A madeira merece ser parte de algo mais grandioso, onde sua beleza possa ser realmente apreciada.
Pedro começou a ver o mundo com outros olhos. A biblioteca da escola tinha uma coleção de livros raros, escondidos em prateleiras empoeiradas, onde ninguém os lia. A livraria nova na cidade tinha uma fachada deslumbrante, mas vendia apenas best-sellers baratos e sem alma. O parque tinha uma fonte maravilhosa, mas a água estava sempre suja e cheia de lixo.
Em uma tarde de primavera, Pedro e seus amigos decidiram organizar um evento para revitalizar o parque. Limparam a fonte, plantaram flores novas e repararam os bancos. Quando terminaram, a beleza do lugar finalmente pôde ser apreciada por todos.
Ao ver a alegria nos rostos das pessoas, Pedro percebeu que o verdadeiro valor das coisas bonitas estava em serem apreciadas e cuidadas, não apenas em existir. Era necessário que o ambiente e a atenção fossem proporcionais à beleza do objeto.
Dona Marta, observando o trabalho de seu neto e seus amigos, sentiu-se orgulhosa.
Ela sabia que Pedro tinha compreendido a essência de suas palavras. A partir daquele dia, a expressão "olho azul em gente feia" tornou-se um lembrete na cidade de que a beleza verdadeira só floresce onde há cuidado e apreciação.
Assim, o povo da cidade aprendeu a valorizar o que tinha de mais belo, não apenas pelo que era, mas por como era tratado e apreciado. E Pedro, com seu olhar atento e coração generoso, continuou a transformar seu mundo, um pequeno gesto de cuidado por vez.