FESTA DE RATO
Na penumbra da despensa, os ratos preparavam-se para mais uma noite de festança. A casa estava em silêncio, os humanos já haviam se recolhido. Chico, o rato mais esperto da colônia, deu o sinal e a pequena multidão de peludos e roedores começou a se movimentar.
— Vamos lá, pessoal! — cochichou Chico, ajeitando o bigode. — Hoje é o grande dia!
O velho Casarão de Dona Olga era famoso entre os ratos. Há anos, os banquetes noturnos eram parte da rotina. Naquele dia, porém, havia um motivo especial: o aniversário de Chico. O cheiro de queijo, pão fresco e bolos doces invadia a despensa, criando uma atmosfera de pura euforia.
Chico era um rato intelectual e seu desejo era ter nascido numa cidade oriental onde os ratos eram adorados como deuses. Em seus momentos de introspecção, ele sonhava com o Templo Karni Mata, que fica na pequena vila de Deshnoke, perto de Bikaner no Rajastão,onde os humanos reverenciavam os ratos, oferecendo-lhes comida e proteção. Imaginava-se caminhando orgulhosamente pelos corredores do templo, seus passos pequenos e ágeis ressoando no mármore sagrado, enquanto os devotos deixavam oferendas em sua honra.
Durante as noites silenciosas no Casarão de Dona Olga, enquanto os outros ratos se contentavam em roer migalhas e esquivar-se dos gatos, Chico se perdia em pensamentos sobre essa terra distante. Ele devorava qualquer pedaço de papel ou livro que encontrava, aprendendo sobre culturas, religiões e, especialmente, sobre o lugar onde os ratos viviam em harmonia com os humanos. Lia sobre as lendas e histórias que cercavam o Templo Karni Mata e sonhava acordado com um mundo onde ele e seus semelhantes eram vistos como sagrados, não como pragas.
No entanto havia algo que o incomodava, os ratos todos eram considerados sagrados mas o rato branco recebia as maiores honras, e ele via isso como um preconceito estrutural.
Enquanto se organizavam, Chico subiu em uma pilha de caixas para se dirigir à sua turma.
— Amigos, esta noite será memorável! Mas lembrem-se, festa de rato não sobra queijo. Vamos aproveitar ao máximo!
Com um sinal, os ratos se espalharam, cada um sabendo exatamente o que fazer. Maria, a rata que tinha um talento especial para doces, liderou o grupo que cuidaria dos bolos. João e Pedro, os gêmeos mais rápidos, foram encarregados de encontrar os melhores queijos.
O ar estava repleto de risadinhas e chiados de alegria. As bandejas de queijo começaram a ser rapidamente atacadas, os pedaços desaparecendo em questão de minutos. O aroma do pão fresco fazia os ratos salivarem, e logo, pedaços de pão estavam sendo carregados para os cantos mais escuros.
Uma noite, enquanto planejava mais uma incursão na despensa, Chico compartilhou seu sonho com Maria, a rata talentosa para doces, que sempre o ouvia pacientemente.
— Maria, você já imaginou como seria viver em um lugar onde somos adorados e não perseguidos? — perguntou Chico, seus olhos brilhando com uma mistura de tristeza e esperança.
Maria sorriu, acariciando seu próprio bigode.
— Chico, todos nós temos nossos sonhos. Mas talvez o segredo não seja onde estamos, mas como vivemos.
Aqui, no nosso cantinho, temos uns aos outros. E, de certa forma, isso também é uma forma de adoração.
Chico refletiu sobre as palavras de Maria enquanto a festa na despensa prosseguia. A música dos risos e chiados dos ratos enchia o ar.
E, naquele momento, ele percebeu que, apesar de não estar no Templo Karni Mata, havia algo sagrado em sua própria comunidade. Cada queijo compartilhado, cada momento de camaradagem era uma celebração da vida que levavam juntos.
No entanto, Chico nunca abandonou completamente seu sonho. Nas noites mais calmas, ele ainda olhava para a lua e imaginava as ruas da Índia, os templos sagrados e os humanos reverentes. E, em seu coração, ele sabia que, mesmo que nunca pisasse no solo daquele templo, a adoração que procurava podia ser encontrada no respeito e no amor que nutria por seus amigos e companheiros.
Assim, Chico continuava a liderar sua pequena colônia, sempre com uma história nova para contar, um plano novo para elaborar e um sonho guardado, como um tesouro, em seu coração. E, de alguma forma, isso fazia da vida no velho casarão uma verdadeira aventura, onde cada dia era uma celebração da esperança e da amizade.
Enquanto a festa prosseguia, os ratos se deliciavam com cada pedaço de comida que conseguiam encontrar.
Mas, como toda boa festa, ela também começou a declinar.
Quando o primeiro raio de sol ameaçou romper o horizonte, Chico, com os bigodes já manchados de queijo, deu o sinal para a retirada.
— É hora de limpar a bagunça, pessoal. Lembrem-se, em fim de festa, guardanapo vira bolo!
Os ratos sabiam exatamente o que Chico queria dizer. Os restos de comida que não haviam sido devorados foram rapidamente embrulhados em pequenos guardanapos de papel, que se transformaram em improvisados pacotes de bolo. Cada rato pegou um desses pacotes, garantindo que nada fosse desperdiçado.
A despensa, antes repleta de iguarias, agora estava quase vazia. Mas os ratos, satisfeitos e felizes, retiraram-se para seus esconderijos, levando consigo os preciosos pacotes de guardanapo. Enquanto deslizavam pelas sombras, podiam ouvir ao longe o som de passos humanos.
Dona Olga, ao entrar na despensa, não pôde deixar de notar a estranha ordem da bagunça. O que havia sido uma festa secreta para os ratos, parecia apenas mais uma noite comum de pequenos ladrões noturnos para ela. Ela suspirou, resignada, e começou a limpar os vestígios da farra, sem suspeitar que, em seus esconderijos, os ratos planejavam já a próxima celebração.
E assim, a festa de rato que não deixou queijo e transformou guardanapos em bolos, terminou mais uma vez. Com sorrisos escondidos e barrigas cheias, os ratos aguardavam ansiosos a próxima oportunidade para transformar a despensa da velha casa em um verdadeiro salão de banquetes.