frio de pé de serra
o ventilador de teto
hoje serve de enfeite
no calor do porta retratos
as águas da Praia do Francês
almofadas coloridas
descansam
no aconchego do sofá
três paredes brancas
uma parede cor de terra
um painel cor de tijolo
com formas geométricas
e uma tapeçaria peruana
enfeitam as paredes brancas
vídeo game no rack
TV um baleiro de vidro
a imagem da padroeira
lembro um raio de sol
desvirginando a vidraça
dourando o cabelo das crianças
que brincavam no piso frio
ANÁLISE CRÍTICA
O poema SALA oferece um retrato sensível e detalhado de um ambiente doméstico, contrastando elementos de calor humano e aconchego com a frieza da estrutura física do lugar. Vamos analisar criticamente os principais aspectos do poema, destacando temas, linguagem e simbolismo.
Temas
1. **Contraste entre calor e frio**: O poema começa com a referência ao "frio de pé de serra", sugerindo uma sensação física de frieza que é imediatamente contrastada com o "calor do porta-retratos", que evoca lembranças e emoções quentes. Este contraste entre calor e frio permeia o poema, sugerindo uma tensão entre a frieza do ambiente físico e o calor da vida cotidiana.
2. **Aconchego e cotidiano**: O poema se concentra em objetos e cenas do cotidiano, como o ventilador de teto, almofadas coloridas, um sofá, e um vídeo game, criando uma sensação de familiaridade e conforto. Esses elementos do dia a dia são apresentados de forma a transmitir um senso de lar e aconchego.
3. **Memória e nostalgia**: As referências aos "porta-retratos" e à "imagem da padroeira" evocam memórias e tradição, criando um sentimento de nostalgia. A lembrança das crianças brincando no piso frio, com o sol dourando seus cabelos, adiciona uma camada de memória afetiva e nostalgia ao poema.
### Linguagem
A linguagem do poema é simples e direta, mas cheia de significado. A economia de palavras e a escolha cuidadosa de detalhes visuais ajudam a criar uma imagem vívida e emocionalmente carregada do ambiente doméstico. A repetição de cores ("três paredes brancas", "uma parede cor de terra", "um painel cor de tijolo") e a descrição precisa dos objetos ajudam a construir um espaço tangível e familiar.
### Simbolismo
1. **Ventilador de teto**: "O ventilador de teto / hoje serve de enfeite" sugere uma mudança de função e, possivelmente, de tempo. O ventilador, que deveria trazer frescor, agora é apenas um ornamento, simbolizando a inatividade ou a passagem do tempo.
2. **Porta-retratos**: "No calor do porta-retratos" implica que as memórias capturadas nas fotos trazem calor emocional, em contraste com o ambiente físico frio. Os porta-retratos simbolizam o valor das lembranças e das relações familiares.
3. **Águas da Praia do Francês e almofadas**: "As águas da Praia do Francês / almofadas coloridas / descansam / no aconchego do sofá" cria uma imagem de paz e tranquilidade, simbolizando a fusão de memórias de lugares distantes com o conforto do lar.
4. **Paredes e tapeçaria**: As descrições das paredes e da tapeçaria peruana indicam um espaço diversificado e culturalmente rico, simbolizando uma conexão com diferentes heranças culturais e estéticas.
5. **Crianças e raio de sol**: "Lembro um raio de sol / desvirginando a vidraça / dourando o cabelo das crianças / que brincavam no piso frio" é uma imagem poderosa que simboliza a inocência e a vitalidade das crianças. O sol, penetrando pela vidraça, representa a luz e a vida entrando no espaço doméstico frio, aquecendo-o com calor e alegria.
Estrutura e Forma
O poema não segue uma estrutura rígida de rima ou métrica, o que reflete a fluidez e a naturalidade da vida cotidiana que descreve. A falta de pontuação convencional contribui para um ritmo contínuo e uma leitura suave, quase como uma conversa ou uma lembrança que flui naturalmente.
Conclusão
SALA é um poema que captura a essência do lar através de detalhes simples e evocativos. Através do contraste entre calor e frio, a valorização do cotidiano e a presença de memórias e tradições, o poema constrói um retrato íntimo e caloroso de um ambiente doméstico. A linguagem simples, aliada a um simbolismo rico, faz deste poema uma reflexão profunda sobre o aconchego do lar e a importância das memórias e das pequenas coisas que compõem a vida.