AC DE PAULA
Dom Quixote Tupiniquim
Textos

PAÍS TROPICAL

Coisas estranhas aconteciam num País Tropical onde havia fervorosos defensores das teorias da Conspiração e da Terra Plana. Em tempos idos, houve um metalúrgico, grevista renomado, que sem mandado judicial, documento meramente formal e dispensável na vigência da ditadura militar, que muitos juram pela mãe, só não se sabe de quem, nunca existiu, ficou encarcerado por mais de trinta dias, tudo sob a égide de uma tal Lei de Segurança Nacional.

 

Este mesmo cidadão alçaria voo à altitude que faria inveja ao Condor dos Andes uma ave de rapina também conhecida por abutre-do-novo-mundo, se bem que a analogia é um tanto quanto infeliz, pois Condor é como se denominou a Operação da Aliança entre ditaduras militares da América do Sul para combater o comunismo e os opositores a esses governos. Foram implantadas medidas de autoritarismo que ia desde a prisão sem o devido processo legal, até a tortura e morte nos porões dos quartéis.

 

O mesmo referido cidadão que chegou a ser chefe do Poder Executivo do tal País Tropical foi condenado, com sentença confirmada em todas as instâncias judiciais, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No entanto um ministro do STF mudou seu entendimento e anulou as condenações oriundas da Operação Lava Jato por considerar que o TRF 4 não tinha jurisdição para atuar no tal processo, e um outro processo foi arquivado.

 

Minucias jurídicas redundaram na anulação dos processos, é como se os mesmos não tivessem existido, afinal a lei diz que ninguém pode ser preso sem o devido processo legal, mas isso não apagou as acusações, não inocentou o referido cidadão, e nem tampouco o canonizou. Alguns ainda acham que ele deve ser indenizado pelos 580 dias de prisão.

 

Havia também no pitoresco país um paraquedista oficial de artilharia que apesar de capitão do exército, insurgiu-se criticando o baixo soldo das tropas, seu posicionamento lhe rendeu quinze dias de prisão. Um ex-presidente militar classificaria o famigerado capitão como um “mau militar” alertando para o fato de que, pasmem, militares deveriam ficar fora da politica partidária.

 

Muita água passou por baixo da ponte, e eis então que o ex-presidente, e aquele que havia sido capitão paraquedista, pela segunda vez se encontrassem na corrida para o pódio do Palácio do Planalto. Da primeira vez o capitão levou o troféu da presidência visto que, o povo cansado das atrozes roubalheiras perpetradas durante vários anos por companheiros de partido e aliados, daquele que havia sido um vitorioso grevista metalúrgico, em sinal de protesto, colocou em suas mãos o destino do tal país.

 

A intenção, como toda intenção, foi boa, porém não surtiu o resultado esperado, pois em muito pouco tempo, o capitão botou as garras de fora e o povo deu de cara com o monstro que havia criado e elegido como salvador da pátria, da família, e dos costumes. E o povo foi se lembrando das muitas maldades do capitão “deveriam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente FHC” “não empregaria mulheres com o mesmo salário,” “trabalhadores tem que escolher entre direitos ou emprego”, “o grande erro foi torturar e não matar”, “os gays não são semideuses, a maioria é fruto do consumo de drogas”, “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”, “meus filhos não correm risco de namorar negras ou virar gays porque foram muito bem educados”, “eu não sou coveiro”, “e dai, lamento, quer que eu faça o que? sou Messias , mas não faço milagre”, “país de maricas”, “se tomar vacina e virar jacaré não tenho nada a ver com isso”, “o cara que entra na pilha da vacina é um idiota”, “vai comprar vacina, só se for na casa da sua mãe”, “tem uns idiotas que até hoje ficam em casa”, “tapetão por tapetão sou mais o meu”, “se eu tivesse coordenando a pandemia não teria morrido tanta gente!”.

 

O capitão no alto da sua condição de que quem tem a caneta manda e os demais obedecem, desafiava desaforadamente as instituições constituídas incitando o povo a também atacá-las. Acusava sem qualquer prova o STF, o TSE, e igual ao garoto que era dono da bola, quando o jogo não saia como ele queria fazia birra e não queria brincar mais.

 

Achava-se no direito de ofender repórteres, jornalistas, ministros e seu adversário direto, chamava a um, de ladrão, a outro de canalha, é queria sair na mão com o repórter que em entrevista lhe perguntou se ele havia mentido. Nessas horas ele se abrigava da chuva de perguntas que não eram de seu interesse, sob o guarda-chuva do, “sabe com quem você está falando?”.

 

Mas em tempos modernos o tal castigo veio cavalgando em seu cavalo marinho supersônico, e muitos daqueles que colocaram o capitão no altar, viram que o santo era de barro. Porém as duas torcidas guardavam semelhanças, como defender e idolatrar seus escolhidos a qualquer preço.

 

Uns achavam que Deus era ariano e vestia uma farda verde-amarela, outros achavam que a esperança tremulava em uma estrela vermelha. E Deus, que alguns juravam ser brasileiro, nunca apareceu e nem tomou partido. Por certo ele teria coisas mais importantes a fazer ! #acdepaulaescritor

 

 

 

 

 

 

AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 07/11/2022
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