AC DE PAULA
Dom Quixote Tupiniquim
Textos
DA PAZ, A GATA e A PANTERA ( final)
        DA PAZ, A GATA e A PANTERA ( final)
                        
       Venha comigo, repare no pacato cidadão sentado na quinta mesa da esquerda, vestindo uma calça jeans preta, camisa polo azul, tênis incrementado, e cabelos cuidadosamente prateados pelo profissional do hair center do tempo, conversando com o adolescente de cabelo estilo moicano com reflexos dourados.
       É você não está enganado não, é ele mesmo, o nosso conhecido Da Paz, tá certo que nos cabelos outrora grisalhos já não se vislumbra um fio sequer de cabelo preto! Branqueou geral! O rapaz a sua frente, (sei que você já adivinhou) é mesmo seu neto, aquele garotinho que você conheceu tempos atrás, afinal já lá se foram mais de dez anos.
       Apesar dos pesares e do desfecho dramático do romance do Da Paz com a Pantera-de-olhos-de-estrelas, o sol ainda insiste em brilhar em seu rosto, (haveria algum motivo especial?). E como na vida tudo é passageiro, menos o cobrador, o motorista e a catraca eletrônica, você tem a sua frente uma prova incontestável de que paixão e desilusão machucam e pisoteiam o peito, mas não matam!

      Você deve se lembrar de que o pobre Da Paz como se costuma dizer, ficou sem eira e nem beira, quando a Pantera literalmente chutou o pau da barraca. Devo esclarecer que depois daquele fatídico e inesquecível dia (para o Da Paz, é claro, e porque não dizer também para a Pantera!), eles logicamente voltaram a se encontrar.    Era preciso, e o Da Paz se armou de toda a calma e resignação que evidentemente não tinha, para ouvir o que a Pantera tinha a lhe dizer. Cumpre-me esclarecer que a lembrança da visão daquela cena, estava cravada no peito do Da Paz feito flecha envenenada!
     Se eu fosse um poeta diria que quando a tarde caia majestosa, e os últimos raios do sol douravam ainda as flores perfumadas do jardim, no segundo dia após o desmoronamento dos alicerces emocionais do Da Paz, eles  encontraram-se para, como dizem os jovens de hoje em dia, discutirem a relação!
   É claro que não era possível conversar ao ar livre ou dentro do carro, até porque além de perigoso no que tange à segurança, havia ainda o perigo de alguém os ver e isso chegar ao conhecimento do pai da Pantera. Da Paz conseguiu convencê-la a irem a um motel, com a alegação de que seria um local em que poderiam conversar sem qualquer problema.
      Da Paz mesmo queimado vivo pela língua de fogo do dragão do ciúme, havia ponderado a situação e os motivos que levaram a Pantera a agir da forma que agiu. Na verdade ele tinha ainda a esperança de que tudo iria ficar como antes, que a crise era algo passageiro. Na sua cabeça pairava a ideia de que no motel eles conversariam e certamente a conversa terminaria entre o macio dos lençóis e tudo estaria resolvido.
         A Pantera sentou-se na beira da cama, as lágrimas teimavam em rolar, a voz embargada, não conseguia falar, chorou copiosamente. Da Paz não conseguiu conter as lágrimas, acariciou aquele rosto de pele macia, sua boca encaixou-se como de costume na boca quente e sensual da Pantera! Foi inevitável e eles se amaram como nos velhos tempos antes da noite da tragédia.  
Depois ela sentou-se na cama, derramou aqueles olhos lindos sobre o seu olhar triste e cheio de esperança e disse:
      - Vamos conversar?  
      Da Paz se armou de coragem e concordou em ouvi-la!
      - Eu não queria ter feito aquilo, não espero que você entenda, mas só peço uma coisa, nunca, nunca duvide do amor que eu sinto por você. Eu sou mulher de um homem só muito embora, o meu amor por você me tenha feito aceitar a nossa relação complexa, tendo que dividir você com a sua esposa! Mas jamais na minha vida eu conseguiria viver com dois homens.

       - Eu não te condeno por isso, apesar de tudo, estes foram os três melhores anos da minha vida! Mas a verdade como dizem, é nua e crua, eu sei que você não pode ficar só comigo e é claro também que eu não posso ficar a minha vida inteira esperando uma decisão sua, e também sei que não é fácil para você
       - Esta foi a nossa última vez!
       Da Paz não conteve as lágrimas! Ela lhe acariciou o rosto e enxugou suas lágrimas com seus dedos morenos, finos e compridos.
   - Chega uma hora na vida em que é preciso fazer a coisa certa, e por mais que a gente saiba que vai sofrer não se pode deixar de encarar os fatos e a realidade. Lembre-se de uma coisa, você vai ficar para sempre guardado em um cantinho do meu coração. Eu jamais vou te esquecer, e nem deixar de te amar!
     - Você está cansado de saber que para mim sempre foi muito difícil em casa, mãe solteira, tenho agora quase trinta anos, um filho para criar, uma família maravilhosa que sempre me apoiou, mas é natural a cobrança deles quanto a minha vida pessoal. Eu não posso decepcioná-los, eu devo isso a eles, é muita gente que eu amo envolvida. E sinceramente, ainda que você largasse a sua família para viver comigo, o que sei é quase impossível, nada seria fácil para nós.
     - Estaríamos sendo egoístas e iríamos com certeza fazer muita gente sofrer! Seria difícil ser plenamente felizes com o fantasma das dores que iriamos causar aos nossos familiares.
Da Paz ouvia tudo calmamente sem poder discordar do incontestável, e ele conhecia muito bem a Pantera-de-olhos-de-estrelas para saber que ela estava disposta a fazer cumprir o que estava dizendo!
      E naquele instante ele constatou realmente todo o amor que nutria por aquela mulher maravilhosa. E por amá-la tanto e querer apenas a sua felicidade ele concordou com ela que o fim era a melhor solução!  Ele  foi deixá-la numa rua próxima a sua casa, beijaram-se demoradamente, foi o último beijo. Ela desceu do carro e olhou para ele com aqueles olhos de estrelas brilhando de lágrimas. Tirou do dedo um anel de pedras azuis que ela usava desde o dia em que se conheceram e lhe entregou dizendo:
       -Para você não me esquecer. Nunca duvide do meu amor! Eu te amo!     Da Paz com a alma fragmentada, caminhou ainda por muito tempo por entre os cacos e pedaços daquele amor impossível, e procurava a felicidade no reflexo dos estilhaços!  Na verdade ele se sentia um Dom Quixote sem princesa, sem amigo, sem corcel, tudo havia se transformado em moinhos e monstros. Não havia mais castelos, nem batalhas, nem sonhos, nem ilusões! Só restava mesmo a doce lembrança. Ele era apenas um pássaro sem ninho e sem asas para voar. Ele se abalava cada vez que o seu celular tocava, a esperança de ouvir aquela voz outra vez o perseguia dia e noite. Ele tivera o bom senso de não ligar, afinal nunca sabia se ela poderia ou não falar. Um dia o que ele tanto esperava aconteceu. Ele ficou feito criança quando ganha doce.
       Mas, apesar de gentil e carinhosa a Pantera manteve a conversa num tom amistoso sem envolvimento. Quis saber como ele estava, pediu para que ele se cuidasse, e rechaçou veementemente a possibilidade de um reencontro. Não era exatamente o que Da Paz queria ouvir mas,   era melhor do que nada!  Após várias tentativas sem sucesso, Da Paz conseguiu por fim encontrá-la em uma rede social. Era gratificante poder vê-la, e ela estava exatamente igual a imagem que ainda povoava seus sonhos. Ela morava agora em outro estado e é claro que as chances de se encontrarem novamente eram praticamente nenhuma. Ele também não queria (não tinha esse direito) se fazer lembrar, embora tivesse plena certeza de que nunca havia sido esquecido. Contentava-se em entrar na sua página e ficar ali olhando, às vezes uma lágrima rolava, mas quando no sorriso da foto ele via aquela quase felicidade no olhar da sua Pantera de olhos de estrelas, tinha certeza absoluta de que valia apenas ele ser hoje, apenas uma saudade!

(fim)



AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 27/04/2022
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