AC DE PAULA
Dom Quixote Tupiniquim
Textos
PAINEL POÉTICO MUSICAL
TRAJETÓRIA DE CRIAÇÃO


Palestra no Rotary Clube-Campo Belo-SP
Novembro 2003, veja fotos www.antoniocarlosdepaula.com



Existe diferença entre letra de música e um poema?
O assunto é interessante, pois afinal a manifestação poética, chega a ser para muitos, um verdadeiro bicho de sete cabeças, principalmente par os que acham que o máximo que conseguem rimar é amor e flor, e às vezes, nem isso! Fazer uma letra de música então, parece tarefa quase impossível e só comparável aos doze trabalhos de Hércules.
O fato é que todos nós somos capazes de externar sentimentos em forma de palavras, mas a vantagem do poeta, é que ele simplesmente tem a sensibilidade à flor da pele! Na verdade a poesia está inserida no contexto do nosso dia a dia, basta ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.

MISSIONÁRIO

A poesia é universal
Não tem tempo preço ou hora
Está no pranto de quem canta
Está no canto de quem chora
Está no espinho, na flor,
Está na prata da lua,
Escondida atrás da porta,
No brilho do olho da rua!

Está na ternura do olhar
Tão intenso de magia
E não dispensa a alquimia
Dos mistérios e rituais,
Está na esquina das nuvens
Derramando seus deslumbres
Sobre todos os mortais!

Está na ponta da estrela
Na bota do astronauta
Na gota do oceano
Na engrenagem do plano
Na lágrima que cai do céu
No âmago do ser humano
Nas asas de qualquer pássaro
No vôo da asa delta
Na abelha fazendo mel!

Na água que vem da fonte
Na pista, no trilho, na trilha,
Aquém e além do horizonte,
No fogo, no mar, na ilha,
Sublime como a natureza,
Acima do bem e do mal!

E o poeta é um missionário
Que se esconde na aparência
De maluco ou visionário
E diz aquilo que pensa
E sente tudo o que diz,
Levando a missão à cabo
Fingindo até ser feliz!

Como vocês podem ver, este poema tem exclusivamente o objetivo de demonstrar que a poesia está em todos os lugares.
A expressão poética como manifestação de sentimentos é exatamente igual tanto no poema, quanto na letra de música, entretanto a liberdade criativa do poeta é maior quando escreve um poema, pois ele pode ser mais introspectivo, não tem a necessidade de “decifrar” a poesia ou moldá-la aos limites impostos pela linha melódica, muito embora toda poesia deva ter ritmo, uma musicalidade natural, nem todo poema pode, ou deve ser musicado. É difícil imaginar uma música com esta letra:

CONEXÃO

Existem certas coisas
Que não se precisam dizer,
Basta ficar admirando
E deixar acontecer!

Não é aconselhável
Navegar contra o vento,
Remar contra a maré
Ou trafegar na contra-mão!

Noções básicas e fundamentais
De sobrevivência na selva
Das necessárias ilusões,
São simplesmente dispensáveis!

Medidas infalíveis
De não envolvimento emocional
Tornam-se ineficazes!

A objetiva racionalidade
É meramente transitória
No mecanismo da trajetória
Da conexão razão-coração!

TEMA E INSPIRAÇÃO
O poeta é dotado de um radar muito sensível que capta todos os fluidos ao seu redor, alguns chamam a isso de inspiração. Do nada surge uma idéia, um tema que se transforma, não após um exaustivo trabalho, em poesia, em letra de música. O poeta é um eterno alquimista preparando no cadinho das emoções, a poção mágica que perpetua a essência da grandeza dos instantes. O radar da sensibilidade está sempre ativado e nada lhe é imperceptível, pois o poeta é um cronista ligado dia e noite na tomada do cotidiano. A minha primeira música gravada, Black Samba, foi exatamente o resultado da observação de fatos do dia a dia. O ano era 1977, eu abro o jornal e dou de cara com o anúncio de um show: BANDA BLACK RIO NA QUADRA D MANGUEIRA! Ora, a estação Primeira de Mangueira sempre foi considerada o reduto sagrado do samba, a Banda Black Rio por sua vez, era a mais fiel representante do MOVIMENTO BLACK, a música negra norte americana, foi então que eu e meu parceiro Voltaire escrevemos:

BLACK SAMBA

NA QUADRA DA ESCOLA
O SOM TÁ DIFERENTE
ESTÁ PINTANDO AÍ
A NOVA TRANSAÇÃO
O MOVIMENTO É BLACK
É SOM IMPORTAÇÃO

EVERYBODY IÉ IÉ IÉ
ALÔ BROTHER, TAMOS AÍ!

É MUITO PESO NA BARRA
FIQUE SABENDO ENTRETANTO
NÃO ABRO MÃO DA POESIA
NEM TIRO O SAMBA DE CAMPO
VOU CORRER PRA AVENIDA
NÃO POSSO ME DEMORAR
NÃO VOU FICAR ESPERANDO
O MOVIMENTO PASSAR!

Mas é bom não esquecer que, por incrível que pareça, nem sempre o que o poeta escreve é exatamente o que ele sente, nem sempre um poema ou uma musica reflete o seu verdadeiro estado emocional. Ele utiliza a sua sensibilidade para descrever sentimentos e fatos alheios à sua pessoa, e aí, está a mágica, o encantamento do trabalho poético, ele passa a ser um ator, e escreve sob a ótica dos sentimentos do seu personagem. Isto ocorre muito em letra de música popular, principalmente as que cantam os infortúnios amorosos.
Vocês podem notar que a tristeza a solidão, a saudade, ac chamadas “dor de corno”, são os temas favoritos quando se fala de amor. É como já dizia o grande comunicador Edson Bolinha Cury; é disso que o povo gosta, é isso que o povo quer! O que acontece é que sempre haverá alguém que se identifique plenamente com o assunto abordado, daí a aceitação quase que incondicional deste tipo de música, afinal, quem nunca sentiu saudade, solidão ou não chorou um amor perdido?
Às vezes o poeta pode se dar ao luxo de soltar as rédeas dos seus devaneios e fazer uma letra mais rica poeticamente.

MÚSICA E COMPORTAMENTO SOCIAL

Os acontecimentos são o combustível para qualquer expressão artística, e é evidente que, como eu já disse, a música é uma espécie de crônica, que registra os fatos de um determinado momento.

MÚSICA E POLITICA

Quando se fala de musica e política, na verdade queremos dizer, poesia e política, pois o contexto contestatório só pode estar contido na letra da música, que tem a missão de agitar, gritar, convulsionar, causar impacto, fazer refletir, formar opinião, e em determinadas ocasiões, abalar as estruturas! Os exemplos de músicas com textos poéticos cujo intuito principal era afrontar, protestar contra o regime ditatorial brasileiro, que ficou conhecido como A NOITE QUE CAIU SOBRE O NOSSO PAÍS!
Algumas músicas se tornaram verdadeiros hinos e são conhecidas de todos, Pra não dizer que não falei das flores!(Geraldo Vandré) Disparada (Geraldo Vandré e Théo de Barros) Cálice(Chico Buarque e Milton Nascimento) O bêbado e a equilibrista! (João Bosco e Aldir Blanc), Formigueiro (Ivan Lins e Vitor Martins), Nos dias de hoje (Ivan Lins/Vitor Martins), Comportamento Geral(Gonzaguinha), O homem falou(Gonzaguinha), Cartomante(Ivan Lins e Vitor Martins, Apesar de você(Chico Buarque). Para encerrar, eu quero falar para vocês sobre duas músicas, que a maioria das pessoas desconhece a sua vinculação com a ditadura e seus efeitos.
Roberto e Erasmo fizeram,"Debaixo dos caracóis dos seus cabelos!" em homenagem a Caetano Veloso, após uma visita que o Roberto fez ao Caetano quando ele estava exilado em Londres. Gilberto Gil, preso por suas manifestações artísticas contrárias aos interesses dos donos do poder, ficou preso em Realengo no Rio de Janeiro, lá, havia um carcereiro que sempre ao ir embora lhe dizia: aí Gil Aquele Abraço!, quando foi solto, em plena quarta feira de cinzas, ele escreveu ;
“O Rio de Janeiro continua lindo...” 

antonio carlos de paula
poeta e compositor
AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 31/01/2007
Alterado em 04/06/2007
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