AC DE PAULA
Dom Quixote Tupiniquim
Textos
4   Das exceções à regra da Inexcutibilidade
                        Consoante o princípio geral insculpido no art. 1º da Lei 8009/90 o imóvel destinado à morada da família, ficaria resguardado do alcance de qualquer ato de constrição, no entanto, existem exceções à regra;
                        I – Despesas condominiais (art. 1715 CC).
                        II – Crédito por fiança dada em contrato de Locação (Lei 8009/90, art. 3º VII).
                        III – Crédito Hipotecário sobre o Imóvel (Lei 8009/90 art. 3º V).
                        IV - Veículos, obras de arte e obras suntuosas (Art. 2º caput da Lei 8009/90).
                        V – Créditos Trabalhistas e Contribuições Previdenciárias de Empregados da residência considerada bem de família (Lei 8009/90, art. 3º I).
                        VI – Crédito de financiamento da Residência da Família (Lei 8009/90 art. 3º II).
                        VII – Créditos de Pensão Alimentícia (lei 8009/90 art. 3 III).
                        VIII – Créditos Fiscais nos tributos que tenham fato gerador relacionado com o imóvel. (Lei 8009/90 art. 3º IV).
                        IX – Aquisição com produto de crime ou conduta decorrente de condenação e ressarcimento, indenização, perdimento de bens e indisponibilidade. (Lei 8009/90 art. 3° VI).
 
5 Questões de Direito Intertemporal
                        Tendo a nova regra sido oriunda da Lei do Inquilinato, havia a presunção de que a fiança só determinasse a inexcutibilidade do bem de família do fiador quando fosse ela prestada exclusivamente em contrato de locação residencial. Note-se porém que a norma não faz distinção ou qualquer tipo de ressalva no que tange a este aspecto. Assim qualquer que seja a fiança prestada em contrato locatício residencial ou não residencial, o bem do fiador, é passível de penhora.
                       
                        Contudo em contrato de locação celebrado na vigência da Lei 8009/90, que assegura a impenhorabilidade do bem de família, e antes do advento da Lei 8.245/91, não pode o bem ser objeto de penhora, mesmo que o ato de contrição tenha sido efetuado na vigência desta última.
6  Posicionamento dos Tribunais
EMENTA: EMBARGOS DO DEVEDOR. DÍVIDA LOCATÍCIA. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. RECEPÇÃO DO INCISO VII DO ART. 3.º DA LEI 8.009/90 PELO ART. 6.º DA CF. PENHORABILIDADE. Como a exceção legal prevista no inciso VII do artigo 3.º da Lei 8.009/90 foi recepcionada pela Constituição Federal, é possível a penhora do bem de família do fiador em virtude de obrigação contraída em pacto locatício.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.849135-8/001 (EM CONEXÃO COM A APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.06.986576-4/001) - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): LEANDRO ALMIR DINIZ SOUZA - APELADO(A)(S): ANA LÚCIA FELISBERTO E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUCAS PEREIRA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 10 de maio de 2007.
DES. LUCAS PEREIRA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. LUCAS PEREIRA:
VOTO
Trata-se de embargos à execução, movidos por Ana Lúcia Felisberto e Berenice Moreira Felisberto, em desfavor de Leandro Almir Diniz Souza.
Consta da inicial que o exeqüente pretende receber das embargantes débitos oriundos de contrato locatício garantidos por fiança; que as embargantes são responsáveis apenas pelo pagamento dos valores devidos no período entre 20/09/2003 a 07/02/2004, pois não aquiesceram com o aditamento contratual; que é impenhorável o bem de família do fiador e, por isso, é indevida a constrição promovida na execução em apenso.
Em resposta, o embargado ofertou contestação, e argumentou, em resumo, que as embargantes figuravam na condição de fiadoras do contrato até a entrega das chaves e, por isso, são responsáveis pelo pagamento dos débitos ao longo de todo o pacto; que a impenhorabilidade do bem de família não atinge o bem do fiador.
Na sentença, o juízo singular consignou que, a teor do instrumento contratual firmado entre as partes, a responsabilidade das fiadoras pelo pagamento dos débitos decorrentes do contrato locatício permanece até a entrega das chaves do imóvel. Consignou, ainda, que o artigo 3.º, inc. III da lei 8.009/90 não foi recepcionado pela Carta Magna e, por isso, o bem de família do fiador é impenhorável. Ao final, julgou parcialmente procedente o pedido inicial para desconstituir a penhora que recaiu sobre o imóvel da embargada Berenice Moreira Felisberto, reconhecendo, todavia, a existência da dívida exeqüenda.
Inconformado, o embargado interpôs recurso de apelação, e argumentou, em síntese, que inexiste incompatibilidade entre a Constituição da República e a lei 8.009/90 no tocante a penhorabilidade do bem de família do fiador. Ao final, requereu o provimento do recurso para manter a medida constritiva levada a efeito nos autos n.º 0024.05.700912-8 em apenso.
As apeladas, por seu turno, aduziram que o disposto na lei 8.009/90 afronta o direito fundamental de moradia; que o imóvel penhorado pertence a senhora idosa e sem rendimentos próprios, evidenciando a nulidade da medida constritiva; que há outro co-devedor que pode responder pelo pagamento da dívida. Por fim, pugnou pela confirmação da sentença.
É o relatório.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
PRELIMINAR
Não foram argüidas questões preliminares.
MÉRITO
O apelante assevera que, no caso de execução de obrigação decorrente de contrato de locação, é possível a constrição do imóvel residencial do garante, por força do disposto no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90.
Razão lhe assiste.
Evidentemente, a garantia da impenhorabilidade do bem de família tem por objetivo concretizar o princípio da dignidade humana, evitando-se que sejam retirados da pessoa os recursos materiais necessários à sua subsistência, tal como a moradia.
Todavia, não se afigura razoável admitir que o princípio da dignidade humana possa eximir as pessoas do cumprimento de obrigações contratuais legítimas.
Nessa linha de raciocínio, insta esclarecer que a nova redação do art. 3º da Lei 8009/90, conferida pela Lei 8.245/91, propiciou plena ciência aos fiadores sobre a possibilidade de penhora do único imóvel que lhes serve de moradia, em virtude de dívidas contraídas em pacto locatício. Logo, se os fiadores sabiam, de antemão, da possibilidade de penhora do imóvel considerado bem de família em virtude de dívida oriunda de contrato de locação, e não se eximiram do encargo assumido, não há como impedir a penhora de seus bens considerados de família. Ou seja, implementado o risco assumido no contrato de fiança, não há como eximir o garante do cumprimento de sua obrigação.
Com base em tais fundamentos, o STF vem adotando o entendimento de que é constitucional a norma que admite a penhora do imóvel considerado bem de família do fiador em virtude de dívidas contraídas em pacto locatício:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688, rel. Min. Cezar Peluso, afirmou ser legítima a penhora de bem considerado de família pertencente a fiador de contrato de locação, em face da compatibilidade da exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 (acrescentada pela Lei 8.245/91) com o princípio do direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal a partir da EC 26/2000. 2. Agravo regimental improvido. (STF, RE-AgR n.º 439.362/SP, rel. Min. Ellen Gracie, j. em 28.03.2006, DJ 5.5.2006, p. 37, Ement. Vol. 2231-05, p. 839).
No mesmo sentido é firme o posicionamento do STJ:
"PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. PENHORA. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
- A orientação predominante nesta Corte é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na lei n.º 8.009/90 não se estende ao imóvel do fiador, em razão de obrigação decorrente de pacto locatício.
- Agravo improvido." (STJ, AgRg no Ag n.º 684.447/RJ, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 09.12.2005, DJ 06.02.2006, p. 384).
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LOCAÇÃO. FIANÇA. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE.
- É possível a penhora do único bem imóvel do fiador do contrato de locação, em virtude da exceção legal do artigo 3.º da lei 8.009/90. (Precedente: RE n.º 407.688, Pleno do STF, julgado em 08.02.2006, maioria, noticiado no informativo n.º 416).
- Recurso ordinário desprovido." (STJ, RMS n.º 21.265/RS, rel. Min. Félix Fischer, j. em 23.05.2006, DJ 19.06.2006, p. 156).
Sendo assim, tendo em vista que a penhora do bem de família do fiador em decorrência de obrigação contraída em pacto locatício não fere o princípio da dignidade humana constitucionalmente assegurado, é imperiosa a reforma da sentença que julgou procedentes os embargos, reconhecendo-se a validade da constrição realizada.
Ante o exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedentes os embargos de devedor.
Condeno as embargadas ao pagamento das custas processuais, recursais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez pontos percentuais) sobre o valor da causa, devidamente corrigido.
Suspendo a exigibilidade de tais verbas, nos termos do artigo 12 da lei 1.060/50.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): EDUARDO MARINÉ DA CUNHA e IRMAR FERREIRA CAMPOS.
SÚMULA :      DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.05.849135-8/001
O Tribunal de Justiça de São Paulo, também tem se pronunciado de forma a admitir que a penhora recaia sobre o bem de família dado em garantia de contrato de locação, conforme acórdão a seguir:
 
Agravo de Instrumento nº 990.10.095767-8
Comarca: Americana 2ª Vara Cível
Juiz: Marcelo da Cunha Bergo
Agravante: NERCI HORAS DOS SANTOS (Executada)
Agravado: ROGÉRIO SAYAGO ALLET (Exeqüente)
Partes: IZILDINHA APARECIDA RAIMUNDO; WALDIR PIRES DOS
SANTOS (Executados)
Locação de Imóvel Ação de Execução de Título Extrajudicial
Voto nº 20.428
LOCAÇÃO DE IMÓVEL EXECUÇÃO PENHORA
INCIDÊNCIA SOBRE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR
CABIMENTO DECISÃO MANTIDA AGRAVO
IMPROVIDO. É possível a penhora do bem imóvel do Fiador, mesmo que seja único e sirva como moradia, poisa obrigação decorrente de fiança, em contrato de locação,
constitui exceção à impenhorabilidade do bem de família,consoante o inciso VII, do artigo 3º, da Lei nº 8.009/90.
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por NERCI HORAS DOS SANTOS com objetivo de obter reforma da r. decisão interlocutória que, em Ação de Execução de Título Extrajudicial proposta por ROGÉRIO SAYAGO ALLET em face de IZILDINHA APARECIDA RAIMUNDO e OUTROS, rejeitou a Exceção de Pré-executividade apresentada pela Agravante, mantendo a penhora que recaiu sobre bem imóvel de sua
propriedade (cf. fls. 74/75, ou fls. 248/249 na origem). Aduz, em sinopse, a Agravante, que referido bem não poderia ter sido constrito por se tratar de bem de família impenhorável, nos termos da Lei 8.009/90 (cf. fls. 02/14).
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PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 990.10.095767-8 AMERICANA 3/6
O presente recurso foi primeiramente distribuído à Colenda 18ª
Câmara de Direito Privado, ocasião em que se concedeu o efeito suspensivo
requerido (cf. fls. 77).
O Agravado apresentou contraminuta às fls. 81/82.
É o relatório.
Por primeiro, cumpre ressaltar que o Agravado ROGÉRIO SAYAGO ALLET locou um imóvel a IZILDINHA APARECIDA RAIMUNDO, sendo indicados como Fiadores desta última WALDIR PIRES DOS SANTOS e a Agravante NERCI HORAS DOS SANTOS (cf. “Contrato de Locação” de fls. 19/19vº). Sob a alegação de não pagamento de aluguéis e outras verbas acessórias, o Agravado ajuizou Ação de Execução de Título Extrajudicial em face da Locatária e dos Fiadores (cf. fls. 16/17). Após a realização da penhora de imóvel residencial de propriedade dos Fiadores (cf. fls. 30), a Agravante interpôs Exceção de Préexecutividade, por entender se tratar de bem de família impenhorável (cf. fls.
31/33).
Em seguida, sobreveio a r. decisão agravada, abaixo destacada, que julgou improcedente tal Exceção, mantendo a penhora do imóvel:
“Trata-se de exceção de pré-executividade oposta por fiadora em contrato de locação de bem imóvel, a qual sustenta a impenhorabilidade do bem de família com fundamento no artigo 6º da CF, na redação dada pela EC26/2000.
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 990.10.095767-8 AMERICANA 4/6
O excepto bate-se pela manutenção da constrição, com fundamento na exceção contida no inciso VII do artigo 3º da Lei nº 8.009/90.O Ministério Público opinou pela procedência da exceção. É o breve relatório.
Decido.
A alegação de impenhorabilidade não pode ser colhida, pois o artigo 3º,inciso VII, da lei 8.009/90, estabelece:
'Art. 3º - A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VII por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.' (Inciso com redação dada pela Lei nº 8.245, de 18.10.91 grifei).
(...) Posto isso, rejeito a exceção de pré-executividade e mantenho a penhora sobre o bem em discussão.” (cf. fls. 74/75, ou fls. 248/249 na origem).
Insurge-se a Agravante, insistindo que “a penhora realizada nos
autos é ilegal, devendo ser declarada a sua imediata desconstituição”. Alega que, “além de idosa, possui inúmeros problemas de saúde, não ostentando quaisquer condições de adimplir aluguel e/ou adquirir novo lar” e que “com ela residem duas crianças, suas netas”.
Argumenta que apesar de ter renunciado à proteção legal no contrato locatício, “tal renúncia é nula de pleno direito” porque diz respeito a norma de ordem pública. Sustenta que a penhora de imóvel de família por dívida de fiança locatícia passou a ser impedida a partir da Emenda Constitucional nº 26/2000, que incluiu a moradia no rol dos direitos sociais garantidos pela Constituição Federal, em seu artigo 6º (cf. fls. 02/14). Entretanto, não assiste razão à Agravante, senão vejamos:
Embora o artigo 1º, da Lei nº 8.009/90 estabeleça a impenhorabilidade do único bem imóvel que se destine à residência da família, é certo que esse mesmo diploma legal, em seu artigo 3º, elenca as exceções a esta regra geral. Dentre elas, encontra-se a dívida decorrente de fiança locatícia,
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prevista no inciso VII do mencionado artigo 3º.
E, com efeito, a hipótese considerada nos autos trata justamente de dívida decorrente de fiança locatícia, abrangida, portanto, na exceção consagrada no artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90, de modo que é perfeitamente possível a penhora do bem de família em questão.
Neste trilhar, inclusive, já decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal, donde se colaciona:
 
CONSTITUCIONAL. DIREITO À MORADIA.
PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR. LEGITIMIDADE. CONSTITUIÇÃO, ART. 6º
(REDAÇÃO DA PELA EC 26/2000). LEI 8.009/90, ART. 3º,
VII. I - O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 407.688/SP, considerou ser legítima a penhora do bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ao entendimento de que o art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 não viola o disposto no art. 6º da CF/88 (redação dada pela EC 26/2000). Precedentes. II - Agravo improvido.” (REAgR
415626/São Paulo-SÃO PAULO - AG.REG.NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, j. 05/09/2006, Primeira Turma, DJ
29/09/2006).
“RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Fiador. Locação.
Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Jurisprudência assente. Ausência de razões consistentes. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões consistentes, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.” ( AI-AgR 585772/ RJ-RIO DE JANEIRO - AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO,
Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. 19/09/2006, DJ 13-10-2006).
Assim, sendo possível a penhora do bem imóvel da Fiadora, mesmo que seja único e sirva como moradia, é, também, correta a manutenção.
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   7 Da aplicação do direito
          É notório que todo e qualquer indivíduo, respaldado pelo Estado Democrático de Direito é livre para reger a sua conduta social e gozar da garantia constitucional de que qualquer delimitação ou dimensionamento de restrição, modificação ou extinção de seu direito, só poderá ocorrer com interferência legal, consoante o disposto no art. 5º, II, XXXV, LIV, LV da nossa Carta Magna.
          No entanto sabemos perfeitamente que as decisões judiciais quer digam respeito às situações jurídicas de ordem existencial, patrimonial ou mista, não são naturalmente isentas de pontos de conflito face ao fato de que, embora alicerçadas em fundamentos legais, normalmente uma das partes não se satisfaz em sentindo pleno com o determinado na sentença.
 
           O julgador labora sob o crivo do padrão dos critérios da regularidade da conduta social do mercado, balizando-se pelos usos e costumes conforme o caso específico, o que nos evidencia que existe um padrão técnico de decisão. Aqui surge cristalina a aplicação de preceitos oriundos da Lei de Introdução ao Código Civil.
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
           Assim não é correto se admitir que o julgador deva fazer prevalecer simplesmente a regra abstrata traçada na letra da legislação, sem que se atenha à harmonização da norma com os valores de comportamento global vigentes na sociedade. No entanto as decisões devem ser ancoradas em princípios legais e não submeterem-se simplesmente aos ditames de caráter pessoal do julgador. Oportuna apreciação do texto do mestre Humberto Teodoro Junior.³
       “Em qualquer lugar e em qualquer tempo, o direito sempre estará preocupado com o justo, com a segurança e com o bem comum, pelo que se podem tê-los como eternos. Essa eternidade liga-se, porém, a seu caráter abstrato e genérico. Perde-se logo essa perenidade,quando tais valores saem do seu primitivo estado de abstração e caem no plano prático, isto é, quando concretamente se lhes atribui conteúdo. É que, ao passar para o mundo prático das normas do ordenamento jurídico, deixam de ser princípios e tornam-se regras, e ai,o mundo cambiante da vida irá não eliminar os valores eternos, mas dimensioná-los de acordo com as exigências, critérios e costumes dominantes da sociedade em sua época.”
                    Visto que a previsão legislativa, face as inúmeras e constantes variáveis que devem ser adaptadas às diversas contingencias do comportamento do homem, resta evidenciado que a regra abstrata da lei, por si só, não é suficiente para sustentar o julgamento de um caso concreto.
 
 
³ Humberto Theodoro Junior, Revista de Direito Civil e Processo Civil, nº 14,Editora Síntese Nov/Dez 2001, pg 7.
8     Direito Civil Constitucional
Quanto à constrição do bem de família do fiador garantidor de uma relação locatícia urbana, cumpre-nos ressaltar o pensamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho , que concluem sustentando que:
 
 “À luz do Direito Civil Constitucional – pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil –, parece-nos forçoso concluir que este dispositivo de lei viola o princípio da isonomia insculpido no art. 5.º da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação” (Novo Curso de Direito Civil. Volume III. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 289).
 
            Sob a ótica do Direito Civil Constitucional e da personalização do Direito Privado, não há como aceitar tal previsão da hipótese de penhora do bem de família do fiador. Esse entendimento foi inclusive reconhecido pelo Ministro Carlos Velloso, em decisão monocrática recentemente pronunciada em sede de recurso extraordinário em curso perante o Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:
 
Em trabalho doutrinário que escrevi ‘Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil’, texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.03.2003 ,registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6.º, CF, é um direito fundamental de 2.ª geração – direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de2000. O bem de família – a moradia do homem e sua família – justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1.º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991,excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3.º feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3.º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000”(STF, RE 352940/SP, rel. Min. Carlos Velloso, j. 25.04.2005, pendente de publicação).
 
Portanto, a tese por nós defendida outrora ganhou força. Vale citar que já há julgado do TJ/SP adotando parcialmente essa tese, entendendo que o imóvel de residência do fiador, no caso de fiança prestada em locação não residencial, não pode ser penhorado Proc. 789.652.0/6, rel. Des. Lino Machado, decisão de 2005 – veja <www.flaviotartuce.adv.br.> Jurisprudência).
 
Ora, tem crescido na jurisprudência uma análise do Direito Privado à luz do Texto Maior e de três princípios básicos: a proteção da dignidade da pessoa humana (art.1.º, III), a solidariedade social (art. 3.º, I) e a isonomia (art. 5.º, caput). Esses são justamente os princípios basilares daquilo que se denomina Direito Civil Constitucional.
 
 
                                   O assunto é tormentoso e o iminente professor Flávio Tartuce abordou o tema da (in)constitucionalidade da penhorabilidade do bem de família, em brilhante estudo:
 
Em trabalho doutrinário que escrevi ‘Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil’, texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.03.2003, registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6.º, CF, é um direito fundamental de 2.ª geração – direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de2000. O bem de família – a moradia do homem e sua família – justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1.º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental. Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3.º feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3.º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000” (STF, RE 352940/SP, rel. Min. Carlos Velloso, j. 25.04.2005, pendente de publicação).
 
               No entanto não é este o entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal que julgou a questão no dia 8 de fevereiro de 2006. Por maioria de votos o STF entendeu ser constitucional a previsão do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/90. Segundo o relator da decisão, Ministro Cezar Peluso, a lei do bem de família é clara ao prever a possibilidade de penhora do imóvel de residência de fiador de locação de imóvel
urbano, sendo esta regra inafastável. Entendeu, ainda, que a pessoa tem plena liberdade de querer ou não assumir a condição de fiadora, devendo subsumir a norma infraconstitucional se assim o faz, não havendo qualquer lesão à isonomia constitucional. Votaram com ele os Ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim.
 
            A votação não foi unânime, pois entenderam pela inconstitucionalidade os Ministros Eros Grau, Ayres Britto e Celso de Mello. Em seu voto, o Ministro Eros Grau ressaltou a grande preocupação dos civilistas em defender os preceitos constitucionais, apontando que a previsão do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/90 viola a isonomia constitucional.
 
                    Isso, vale repetir, porque a fiança é contrato acessório, que não pode trazer mais obrigações que o contrato principal. Resumindo, o debate jurídico parece ter sido encerrado com a decisão do STF.
 
                       
 
 
 
 
 
 
9. Conclusão
                  Ante o retro articulado é inconteste de que prevaleceu a tese de que é possível a penhora de bem de família dado pelos proprietários em garantia de fiança locatícia, não sendo o bem excluído da penhorabilidade sob a alegação de tratar-se a fiança de contrato acessório atrelado ao contrato de locação.
 
                   Assim, decidiu o STF pela constitucionalidade da penhora do bem de família dado em garantia de fiança, no entanto a tensão jurídica ainda está longe de ser resolvida. A polêmica gira como vimos sobre o fato de prevalecer o valor patrimonial, representado pelo direito do locador de exercitá-lo para se ressarcir do inadimplemento do locatário, ou a função social representada pelo bem de família passível da constrição, embora tutelado constitucionalmente.
 
                     No entanto, se analisarmos os fatos sem o calor dos ânimos, há de se concluir que a figura do locador hoje, na sua grande maioria, não se enquadra na moldura daquele que detém o maior poder econômico em relação ao locatário, que em tese e apenas teoricamente, seria o lado mais frágil da relação contratual.        
 
                    Muitos locadores sobrevivem hoje, graças à complementação financeira proporcionada pela renda da locação de um imóvel que conseguiram amealhar às duras penas, e é claro, contando com o recebimento do valor do aluguel para sua garantir a  sobrevivência, assim, quando o locatário torna-se inadimplente causa ao locador eventuais transtornos de grande monta.
 
                        Se trocarmos de paradigma e analisarmos o fato por outro ângulo, com certeza vamos concluir que a constrição do bem de família de imóvel dado em garantia de contrato locatício, em que pese toda a argumentação de ilustrados juristas em sentido contrário,  presta-se também ao exercício pleno do cumprimento da função social  caracterizada pela necessidade do locador em receber o que lhe é devido, visto que necessita do valor do aluguel para manter a sua vida de forma digna tal e qual o preceituado constitucionalmente.
 
                        Ressalte-se que o fiador, não é como já dissemos, obrigado a contratar, e se o faz exerce o seu direito em toda a sua plenitude, pois que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, senão em virtude de lei que o determine. Ao garantir portanto uma relação locatícia está ele exercendo o seu direito e se assim o faz, deve ser submetido aos desígnios legais na eventualidade de inadimplência por parte do seu afiançado.
 
                        O fiador pode evitar a constrição que eventualmente recaia sobre o seu único bem, basta para isso que cumpra o que contratualmente pactuou obrigando-se solidariamente e como principal pagador, no que tange aos débitos da relação locatícia, por parte do seu afiançado.
                           
          De outro lado, também é preciso analisarmos a situação sob a ótica do locador, até por obediência ao princípio constitucional da isonomia e da liberdade de contratar, considerando-se a segurança jurídica que deve respaldar a manifestação volitiva dos contratantes.
 
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AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 21/06/2011
Alterado em 21/06/2011
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